Verde Milho

Verde, verde milho
Sol na cara, pica o vento
Terra de sarilho, meu sustento
Ando a celebrar na tapada do moinho
A oferecer a melodia ao passarinho

Verde verde milho milho verde
Empilhado no chão
Quando o milho é novo cedo cede
À menor tentação

Não, eu não menti
Só vi Judas num cometa
Caro amigo, não me comprometa
Cinco reis de fio
Atilhado num novelo
É vê-lo a si
Sim, sarar-me o cotovelo

Verde verde milho milho verde
De cana real
Moça metida a metediça raramente é leal
Verde, verde milho, milho verde
No carro dos bois
A lebre anda a monte escondida
Aparece depois

Ando a mando
Cada santo dia eu vou levando
Eu corro, corro
Só não ando nem desando
Estrela corre, corre
Corre numa carreirinha
Aninha mais um segredo em boca minha

Verde verde milho milho verde
Clonado a vapor
O gato tem preguiça
O vampiro tem perícia de actor
Verde verde milho milho verde
Deitado num manto
Era o nosso milho
Agora é milho Monsanto

Leva vida cheia sem querer nada
Regressa assim completo aonde estava

Onde é que dão do veneno
O tal da pica instantânea
Certo, meu barão
Dê licença pra queimar, por favor
Um burro velho não cala um burro sério
Três convidados, qual será o maior estupor

Dar e dar, dar e dar e dar
Dar e receber
Dar bem embrulhado em mentira
Dar, dar e dar e dar
Dar e obedecer
Dar com a mesma mão com que tira
Amo ao servo
Radiante escravo
Sempre a alhear-se da sentença
A dar e a dar e a dar e a dar e a dar

Verde verde milho milho verde verde milho verde
Verde verde milho milho verde verde milho verde
Verde verde milho milho verde verde milho verde
Verde verde milho milho verde verde milho verde
Informações:
 Disponível no álbum Diabo na Cruz (2014).
Letra e música por Jorge Cruz.

Produzido por Jorge Cruz e Sérgio Pires.
Misturado por Nelson Carvalho.
Masterizado por Andy VanDette.

Curiosidades:
 Jorge Cruz: «É uma canção sobre aquela quase impossibilidade de hoje em dia, onde quer que estejamos, mesmo sozinhos no meio de um monte a ouvir a brisa, de nos sentirmos livres e sem sermos marionetas nas mãos de poderes que controlam o nosso destino.»

 "Verde Milho" é um título proeminente no cancioneiro tradicional. Para além de "Milho Verde", existem diferentes versões com o título "Verde Milho".


 "Verde Milho" contém uma das várias alusões à Lebre ("A Lebre anda a monte escondida/ Aparece depois") ao longo da discografia de Diabo na Cruz - ver também O Regresso da Lebre, Tão LindoFecha a LojaVil'Alva a Vila Ruiva.

 A linha "A oferecer a melodia ao passarinho" é irmã da linha "Oiço um passarinho, vou roubar-lhe a melodia", pertencente ao single Meu Amor de Longe de Raquel Tavares, com letra e música de Jorge Cruz.

 Jorge Cruz disse numa entrevista que se lembrou de António Variações quando escreveu o verso "Dar e receber" em Verde Milho, acrescentando que Variações foi pioneiro naquilo que os Diabo na Cruz fazem: «Ele tem em comum connosco, ou com o que nós pretendemos fazer, algo que mais ninguém que trabalhou com a música tradicional (...) que é música pop, canções, refrões cantaroláveis, a estrutura da música pop. A mim interessa-me o Michael Jackson, os AC/DC, aquelas coisas monolíticas, impossíveis de esmagar. E o Variações é isso. (...) São canções muito, muito sólidas, fortíssimas. Nós estamos à procura de fazer canções fortes.» 

Comentários:
 «Mas não só de instrumentos e de ritmos da música tradicional portuguesa se faz o ‘roque popular’. Tal como Zeca Afonso, também os Diabo na Cruz têm um “Verde Milho”, a diferença é que este é “milho Mosanto”. Dispenso-me de fazer um discurso sobre o consumo alimentar de organismos geneticamente modificados (OGM), nem quero comparar Monsanto (cuja reputação é, no mínimo, terrível) aos Diabo na Cruz, mas não posso deixar de olhar para esta referência à mutação genética como uma metáfora para aquilo que é a sua sonoridade típica: a alteração genética do rock com a introdução de genes da música popular portuguesa.» Meia de Rock